EXISTE UMA ESCOLA IDEAL?
Ana Silvia Figueiral*
Até há pouco tempo, escolher uma escola não era das tarefas mais difíceis. As propostas pedagógicas eram muito semelhantes e o que variava era o nível de exigência e os limites disciplinares. Havia as escolas “fortes” ou ”puxadas” e as rígidas ou liberais. Geralmente, as fortes eram as mais rígidas na disciplina e as fracas, mais permissivas. Os parâmetros eram conhecidos e as escolas, com o passar do tempo, pouco ou nada mudavam. Assim, era muito comum que os pais, na hora da escolha, considerassem a possibilidade do filho estudar na mesma escola que eles. “Se deu certo comigo, por que não vai dar com ele?“. Não havia grandes questionamentos.
O acompanhamento da aprendizagem também não mudava muito: era medido pelo produto final. As notas do boletim eram associadas ao nível intelectual. “Ele só tira notas altas. É muito inteligente!” Em caso de notas baixas, as providências já eram as conhecidas. Começavam com o cerceamento do lazer, passando pelas promessas de qualquer coisa muito desejada pelo filho, pelas punições e terminavam nas aulas particulares, que acabavam por acompanhar o aluno por muito tempo. Se nada disso se refletisse nas notas, a temida repetência de ano era anunciada. Se nem isso resolvesse, a mudança de escola vinha quase como uma condenação, porque a escola escolhida era, sempre, mais “fraca”, menos exigente. O aluno tinha sido julgado. Ele é que era fraco. A escola não era questionada. Não participava da análise da questão, como se a aprendizagem fosse uma via de mão única. E não é. O fracasso de um aluno também é o fracasso da escola.
Com o tempo, mudanças foram ocorrendo. Atualmente, o conteúdo começa a deixar de ser a única preocupação de quem ensina; amplia-se a ação educativa, para dar conta da formação do aprendente e não apenas para o mercado de trabalho. A ótica que ainda privilegia a divisão acadêmica, que categoriza os alunos, que valoriza o homogêneo, que considera a informação como um fim, um objetivo, começa a sofrer um esvaziamento. Realoca-se o conceito de aprender e, conseqüentemente, a função do ensinar. O professor deixa de ser somente o difusor do conhecimento e vive o fazer pedagógico como o espaço privilegiado para a estimulação do aprender, não mais circunscrito ao aluno. Todos aprendem e a aprendizagem adquire uma nova dimensão, favorecendo a autonomia do pensamento, ancorada numa postura crítica. Conhecer por conhecer não dá conta da ampliar a compreensão de mundo e, para o educador Rubem Alves, conhecimento que não ilumina o mundo não é conhecimento, só serve para responder as questões do provão.
Desta forma, a proposta escolar acaba por refletir os novos paradigmas apesar de, nem sempre, conseguir colocá-los em prática. Este novo momento se traduz numa nova linguagem, em novos termos, muitas vezes incompreensíveis. Entender o projeto de ensino que privilegia a estimulação da curiosidade, o aprender a aprender, “só com dicionário”, queixa-se a família, temendo cair numa “armadilha”. Escolher uma escola, passou então a ser um grande desafio. E não é por acaso que, jornais e revistas, todo início do ano letivo, dedicam diversas matérias sobre o tema, tentando auxiliar os pais, “traduzindo” termos e projetos pedagógicos. Angustiados, os pais não sabem por onde começar. A psicóloga Rosely Sayão sugere que, como ponto de partida, os pais se questionem: “como eu gostaria que meu filho fosse educado?”
Se este novo panorama afeta a todos os pais na busca de uma escola, mais difícil ainda esta empreitada se torna quando a escola é para um aluno portador de alguma dificuldade, seja de aprendizagem, comportamental, emocional. E aí, o que fazer? Não é fácil, mas é possível e depende, e muito, da participação dos pais. A escolha de uma escola apropriada é a escolha do parceiro para o projeto educativo. E o que se pode entender por apropriado? Apropriada não é a escola que apenas aceita o aluno. Apropriada é a escola que tem condições para assumir um compromisso; que disponibiliza recursos de auxílio a alunos com dificuldades; que é receptiva ao projeto de parceria com os pais e com os profissionais responsáveis pelo acompanhamento do aluno; que investe na formação de seu corpo docente. Apropriada é a forma como a escola trabalha com o conhecimento (a análise das provas escolares dá pistas importantes), que respeita as diferenças individuais e que é capaz de avaliar um aluno pelos progressos que alcança e não só comparativamente com o grupo classe.
Escolas que ou não conhecem o Transtorno Atencional e não parecem dispostas a conhecê-lo, e/ou negam a sua existência, acreditando que “se ele fizer uma forcinha vai conseguir”, podem ser descartadas de imediato. Escolas que aceitam mais de 25 alunos por classe também. É preciso ficar atento a este critério porque, às vezes, as classes têm poucos alunos por alguma circunstância como, por exemplo, a falta de matrículas. Portanto, é melhor perguntar pelo limite máximo de alunos aceitos por classe e não quantos alunos a classe tem. Saber quantos alunos com dificuldades são aceitos por classe é muito importante, porque a presença de mais de 2 ou 3 alunos nestas condições, pode inviabilizar o trabalho do professor, que é, em última e em primeira instância, a pessoa mais importante de todo o processo. Ele é o maior diferencial. É a atuação competente do professor que vai fazer toda a diferença.
Conhecendo o Transtorno e as técnicas de manejo em sala de aula, o professor é capaz de provocar mudanças significativas na relação do aluno com a aprendizagem. Mobilizado, o aluno também se utiliza de novos recursos que, muitas vezes, eram desconhecidos pelos próprios especialistas, para dar conta dos desafios em sala de aula, para que o professor sinta orgulho dele. Portanto, é o professor que deve ser preparado para conhecer e atuar de forma mais eficiente. É nele que devem ser feitos os investimentos tanto por parte da família quanto da escola e dos especialistas.
A importância do professor é tão grande que, no caso de alunos com dificuldades, não são raros os relatos de colapso no rendimento acadêmico, quando ingressam na 5a. série. E o que mudou, se tudo vinha tão bem?
De um professor, o aluno se vê diante de uma equipe de especialistas em suas disciplinas, que pouco sabem sobre dificuldades de aprendizagem, como os estudantes podem ser afetados por elas e nem o que fazer por eles. A demanda curricular também cresce de forma significativa. Os textos de leitura são mais longos e mais complexos. A Matemática, a matéria anteriormente predileta pela facilidade de cálculo mental, deixa de ter sentido. Os problemas verbais são introduzidos e o aluno não consegue entender suficientemente bem e, assim, não sabe que habilidades matemáticas deve aplicar. O manejo do tempo e a organização individual passam a ser novos desafios. As aulas são mais curtas exigindo maior rapidez no desempenho do aluno. Esta situação se agrava quando eles ingressam no Ensino Médio, porque, nesta fase, a responsabilidade do professor em relação aos estudantes praticamente cessa e é muito fácil o aluno portador do Transtorno Atencional fracassar.
Se por um lado temos experiências de parcerias bem sucedidas com escolas até a 4a. série, a partir da 5a. e até o Ensino Médio, a situação fica mais difícil em função da formação e do número de professores além da menor disponibilidade para reuniões. Portanto, ao escolher uma escola, de 5a. série em diante, fique atento a estas questões, porque a importância do professor não diminui mas, em função de sua formação mais direcionada para a disciplina que ensina, ele precisa ser mais preparado. Ampliando seu conhecimento, a ação docente será mais adequada, mais acertiva. Ele precisa saber, por exemplo, que a quantidade apropriada de trabalho escolar para o portador do Transtorno Atencional, equivale a uma criança 30% mais jovem. Esta informação faz diferença, e significativa.
Apesar das desafios, é possível fazer-se um trabalho de parceria com uma equipe de professores. Uma experiência que já realizamos, e bem sucedida, foi publicada sob o título de Intervenção Psicopedagógica na Parceria com os Professores, no livro Psicopedagogia – Diversas Faces, Múltiplos Olhares, da editora Olho D’Água e disponibilizada no site www.educacaoonline.pro.br., onde também se encontra uma entrevista sobre o Transtorno Atencional, entitulada Problemáticos, Desmotivados e Indisciplinados?
Ajustar as expectativas familiares quanto ao rendimento acadêmico é outro aspecto a ser considerado para que as conquistas possam ser reconhecidas. O desempenho escolar do portador do TDA/H é significativamente menor quando comparado a um grupo de estudantes da mesma idade e com o mesmo potencial intelectual. Assim, pelo menos 35% deles, terá uma repetência no seu histórico acadêmico, segundo o neuropsicólogo Russell Barkley, uma das maiores autoridades mundiais no TDA/H. Quanto a retenção escolar, apesar de não ser o objetivo do presente artigo, são necessárias algumas considerações. Como ponto de partida, é preciso se questionar qual a função da repetência, isto é, para que servirá. Se a metodologia de ensino for a mesma do ano anterior, não vai acrescentar nada ao aprendizado do aluno. Se por outro lado a escola acreditar que em um ano ele vai amadurecer e, por isso, debelar as características do Transtorno Atencional, a retenção não passará de uma punição para o estudante, que, no mínimo, perderá o seu grupo de amigos, tão dificilmente conquistado. Considerar um acompanhamento extra-classe ou extra-escolar pode ajudar o aluno a se organizar, preenchendo as lacunas do aprendizado acadêmico.
Investir no professor é investir na aprendizagem, nas técnicas de ensino sem necessariamente segregar o aluno e contemplando a classe como um todo. Podemos ilustrar esta afirmação através de alguns exemplos. O uso da lousa, do quadro pode ser um apoio importante para a manutenção da atenção por um tempo maior além de ajudar nas anotações para o estudo posterior. Enquanto fala, o professor pode escrever os conceitos referidos e suas correlações para a classe ir visualizando. Apostilar a matéria ajuda muito aluno. Outra medida que pode ser tomada em sala de aula, é antecipar o texto a ser lido, fornecendo um resumo prévio, sem deixar de investir na curiosidade pela leitura. A idéia que sabendo sobre o tema antes de ler desmotiva a leitura, não confere com as constatações, sobretudo no caso de textos não informativos. Quantos livros são vendidos após as minisséries, após os filmes? Quanto aos textos informativos, um quadro esquemático, que contenha as principais informações relacionadas, abre espaço para que a leitura agregue elementos adicionais, enriquecendo o conhecimento. Não impedir a leitura com pista articulatória (sussuros), porque para o leitor desatento este é um recurso eficiente para sustentar a atenção. Tal medida, no entanto, é contraproducente quando falamos de estudantes portadores do Transtorno da Leitura, que se beneficiam da leitura silenciosa (poupando-os da decodificação) ou de fitas gravadas com o texto. Estratégias como estas e as que são desenvolvidas pelos professores quando passam a entender as necessidades de seus alunos, são simples na adoção e proveitosas para a aprendizagem.
A partir da 5a. série, espera-se que o aluno já tenha sido mais preparado com relação às expectativas escolares e que conheça melhor o seu transtorno, podendo advogar em causa própria. Uma adolescente, portadora de importante distúrbio na leitura e escrita, ao ser submetida a uma prova escrita, solicitou o dobro do tempo estipulado pelo professor, explicando suas dificuldades e, sobretudo, suas necessidades. O pedido foi aceito e os resultados alcançados. Conhecer suas necessidades é fundamental para os estudantes adolescentes poderem auxiliar o professor na sua ação educativa.
Preparar o aluno significa, também, investir na sua autonomia, nas habilidades para aprender, armazenar e lembrar das informações. Estas habilidades não são ensinadas, mas serão exigidas da 5a. série em diante. Alunos que nunca tinham precisado de ajuda, de repente se desorganizam, não sabendo como fazer uma pesquisa, um resumo, etc... Esses mesmos alunos, sem histórico de dificuldades, depois de uma orientação inicial, acabam por desenvolver suas habilidades e prosseguem sozinhos, apropriando-se dessas técnicas. Isto já não ocorre com os alunos portadores de dificuldades. A expectativa de 5a. série costuma originar um colapso e eles precisam ser ensinados e acompanhados no uso das técnicas. Precisam aprender a se organizar e a manejar o tempo; desenvolver as habilidades de estudo, como, por exemplo, fazer registros em sala de aula, identificar informes importantes no texto, organizar as informações, etc...; conhecer recursos para memorização, usando diagramas, associações, rimas, etc...; desenvolver habilidades para solucionar problemas e para tomar decisões. Muitos pais, desgastados, acabam por recorrer a um profissional que realize este trabalho. Assim, eles preservam a sua relação com o seu filho que, certamente, é muito mais importante.
Mais do que resultados do boletim, acompanhar a vida escolar de um estudante portador de dificuldades, é acompanhar as ocorrências, as oscilações para poder analisá-las junto à escola e aos profissionais responsáveis pelo atendimento. Antes de partir para qualquer solução, antes de se desesperar, é importante que se defina qual é o problema com todos os seus contornos para promoção de alternativas que deverão ser discutidas por todos. Só assim, a vida escolar desses estudantes poderá ser menos fragmentada, menos sofrida e causar menos danos à auto-estima. Todos temos capacidades e habilidades que precisam ser definidas e estimuladas. Ser intuitivo, criativo e entusiasmado podem ser características do portador do Transtorno Atencional. Aproveitá-las no projeto de ensino, através da adoção de diferentes estratégias, amplia as possibilidades de aprendizagem. Somente saber sobre a dificuldade não é suficiente para promover a ação educativa. Pode até servir de mais um argumento para a não-aprendizagem. O importante é identificar o estilo da aprendizagem, as competências, a rota adotada para a aprendizagem. É a partir delas que todo o projeto educativo pode ser direcionado.
Portanto, a escolha de uma escola para um estudante portador de qualquer dificuldade deve atender às necessidades desse aluno, necessidades estas que demandam da escola mais do que um simples acolhimento. Demandam serviços educacionais, investimento no professor, tempo para que os professores se reúnam e planejem, turmas de tamanho adequado às necessidades e auxílio técnico apropriado. Não se trata de uma responsabilidade única da escola. Inclui todos aqueles que estão presentes na vida desse estudante, para que a inclusão seja bem sucedida. Não há regras pré-definidas. Há necessidades a serem atendidas desde que identificadas.
Focalize sua busca sobretudo no professor. Não procure pelo professor ideal. Ele não existe. Procure por um ensinante que seja curioso, disponível para aprender, que se permita ficar intrigado diante de um aluno, que vai em busca de informações, de conhecimentos para alavancar a sua ação como docente. Procure por ele, porque é dele que você precisa para compartilhar o seu projeto educativo.
Se a escola ideal existe? Existe sim! É onde o aluno aprende.
*Professora, graduada em Filosofia, pós graduada em Semiótica com especialização nos Distúrbios da Aprendizagem.
Atuação: psicopedagoga com atuação no atendimento a crianças, adolescentes e adultos portadores de Dificuldades de Aprendizagem e TDA/H e assessoria em escolas na orientação para professores.